VIRTUDES – é de comer?

 Corrupção é a palavra em alta. Da política, dos bons costumes, da consciência. Isso tudo é reflexo do fato de não mais considerarmos virtudes como elementos importantes para a formação humana e o convívio em sociedade. Existem hoje inúmeros tratados de éticas normativas sendo estudadas, desenvolvidas e até aplicadas, porém, nenhuma com essência tão forte, estruturada e essencialmente humana como as virtudes. Discutem-se problemáticas sobre a estrutura escolar, políticas e de leis, ou mesmo a problematização sobre armamento ou desarmamento da população civil e, não reconhecemos que o verdadeiro problema está em um eixo bem mais antigo: o ser humano! O ser humano está quebrado.

Estamos colhendo resultados de nossos últimos investimentos. Preocupados com poder, dinheiro, justiça de direitos, avanços tecnológicos, política (tudo isso de suma importância, é claro), esquecemos de olhar para nossa formação como seres humanos. Há, inclusive, uma contracorrente na qual certas virtudes podem ser ruins para o indivíduo, expressa por exemplo, na ideia de que ser esperto é melhor do que ser justo ou, no ditado “melhor um covarde vivo que um herói morto”.

De certo isso está intrinsicamente ligado aos princípios que carregamos em nós, pois, preferir “ser esperto a ser justo” depende do que é importante para mim como pessoa de valor. Se para mim, por exemplo, é fácil viver como um covarde, está tudo certo. Porém, pessoas se matam pautados em “melhor morrer do que ter a vida que tenho”, alguns ainda levam junto aqueles que para eles, são os culpados. O que andamos elegendo como importante para nós em valores de vida?

Um exemplo disso são as decisões de consumo de uma sociedade já viciada em um estado patrimonialista: ancoramos a felicidade no comprar, mas, também somos inseguros quanto ao consumo. O que vou consumir? O que estão consumindo? Quero o que quero, ou quero o todos estão querendo? Buscamos estudar de maneira a construirmos uma carreira de sucesso, onde o sucesso profissional acarreta o poder aquisitivo, que por sua vez, é o meio seguro de sermos felizes e plenos, mas mesmo assim vivemos rodeados por pessoas inseguras e infelizes em tudo, até mesmo em carreiras de sucesso. A insegurança e a dúvida em seu sentido produtivo desenvolve o senso crítico, mas a pessoa que não desenvolveu seus próprios princípios valorativos, buscará justificação a sua crítica fora de si, confundindo suas próprias importâncias.

Tudo no decorrer do tempo histórico, tende a melhorar, evoluir, vide nossos desenvolvimentos na saúde, na comunicação, transportes e etc. Porém, deixamos para trás nesse caminho veias fundantes do ser humano como ser humano. Os valores deveriam ter evoluído também. As virtudes ao invés de se solidificarem, foram esquecidas. A ausência ou a depreciação dessas virtudes em nossa realidade traz consequências negativas para o bem comum, por exemplo, na criminalidade, na qualidade dos produtos industrializados, na preservação do meio ambiente, nas relações comerciais e trabalhistas, no amor material, e etc., etc. etc. Mas você sabe quais são elas e quais vícios elas combatem?

Aristóteles foi o primeiro que tentou sistematizar a ética, afirmando que a ética é a tentativa de estabelecer comportamentos e hábitos que se tornem uma segunda natureza nossa, nos ajudando no convívio político e coletivo. Porém, há a sugestão das mesmas antes dele, e um “aprimoramento” delas após o pensador citado. Então, comecemos a reflexão sobre as virtudes antes dele.

No contexto bíblico não existem palavras isoladas com um significado definido de moral e nem de ética, havendo, entretanto, palavras que remetem a um significado de “obrigação moral”, assim como no hebraico, que há uma única palavra para definir esses dois termos. Essa raiz é definida por Antoine Fabre D´Olivet com o significado de “linha circunferencial entrando nela mesma em direção ao centro”, o que forma na nossa mente a imagem de uma linha espiral em movimento, em direção ao centro, permitindo-nos uma associação com o movimento sistólico do coração, que ao mesmo tempo em que é contrátil em relação a si mesmo, há o elemento expansivo em relação ao sangue que é expulso levando em sua corrente todos os elementos geradores e mantenedores de vida no corpo humano.

As virtudes também são encontradas no poema épico de Prudêncio: Psychomachia (Batalha da Alma), onde é contada a história de uma batalha entre as virtudes e os vícios. A grande popularidade deste trabalho, Psychomachia, na Idade Média, ajudou a espalhar o conceito de virtudes pela Europa como uma prática que protegeria a pessoa contra os erros, sendo cada virtude o elemento que anula seu respectivo vício. Se você tem consciência de um grave vício seu, basta desenvolver e trabalhar ao máximo a virtude que o anula.

No setenário sob o ponto de vista da escola pitagórica (fundada por Pitágoras), que reconhece dez leis ligadas à “Tetractys”, a Década Sagrada, a Mãe de todas as coisas porque seria do Dez, das dez leis, que todas as coisas são geradas e dão outros surgimentos, a sétima lei refere-se à Lei de Evolução Cósmica, que esclarece que aquilo que um ser é, atualmente em sua forma, não é tudo o que ele é em sua virtualidade. Assim, as manifestações no Cosmos são evoluções que rompem o ajustamento e a ordenação anterior dos opostos (harmonia) para sofrerem saltos qualitativos e específicos. Em todas as religiões o sete é sempre símbolo dessa evolução geradora de um estado novo do ser e, portanto, essa lei seria atuante também na geração de uma sociedade mais equilibrada em todos os seus aspectos, brotando de si um sistema ético-moral mais conforme.

Mais tarde, na Escolástica, as virtudes são retomadas, e as bases morais e éticas em Tomás de Aquino absorvem dos ensinamentos de Albertus Magnus um sofisticado sistema filosófico que ultrapassa os limites do cristianismo e adentra numa filosofia universal, utilizando-se principalmente de elementos platônicos, aristotélicos e agostinianos. Agir através das sete virtudes seria reencontrar o estado humano original, análogo ao próprio movimento sistólico do coração para a geração de um estado novo de vida plena. Assim, as virtudes a partir de então, foram sistematizadas em sete instâncias:

1. Castidade – Opõe-se a Luxúria: abraçar a moral de si próprio e alcançar a pureza de pensamentos e de ações através da educação e melhorias individuais.
2. Caridade – Opõe-se a Avareza: generosidade, auto sacrifício, dar sem esperar receber ou aparecer, abraçar o próximo como a nós mesmos.
3. Temperança– Opõe-se a Gula: autocontrole, moderação, justiça, equilíbrio, prática de abstenção de excessos.
4. Prudência – Opõe-se a Preguiça: persistência, equilíbrio de ação, ética e cuidado, decisão por escolha e objetividade, cautela e precaução.
5. Paciência – Opõe-se a Ira: força mas com serenidade, calma, paz. Coragem e resistência. Suportar aquilo que é quase insuportável com dignidade. Resolver pacificamente os conflitos e as injustiças, o contrário de utilizar a violência.
6. Bondade – Opõe-se a Inveja: autossatisfação, compaixão, amizade, ausência de preconceito ou ressentimento, amar sem egoísmo e ser voluntariamente bom sem rancor. Buscar sempre a intuitiva justiça essencial.
7. Humildade– Opõe-se ao Orgulho: modéstia, respeito, humildade não é pensar menos de si mesmo, mas pensar de si mesmo menos, e mais de si com os outros. É a coragem necessária do coração para ter a fé.

 A falta de valor à vida, a falta de tolerância, de solidariedade, da conscientização dos problemas do vizinho, da criança no sinal, do jovem rico depressivo, de quem passa fome, são algumas das inúmeras raízes potenciais para o desenvolvimento crescente da criminalidade e tragédias humanas. Nas relações trabalhistas e comerciais há a soberania do lucro próprio, governos lesão nações, funcionários lesão patrões, indústrias vendem produtos alterados e prejudiciais visando o golpe lucrativo em cima da saúde alheia. São inúmeros os subprodutos da quebra do ser humano como ser humano.

Impor regras e leis é necessário para um contrato social mínimo, mas por si só, não constroem pessoas melhores. Aristóteles disse que, quando você quiser entender o que é um ser humano ético, pergunte a ele: você está fazendo ou deixando de fazer isso porque você acredita, ou porque é impelido a isso?