Ainda existem pessoas que duvidam dos valores sociais estabelecidos e expressados pelas redes digitais, e talvez seja por essa desconfiança que alguns males decorram delas. Alguns indivíduos tornaram-se dependentes dessas plataformas, enquanto outros tentam evitá-las, afirmando que ‘não se deixam envolver’ ou que ‘não se encaixam nesse tipo de interação’. No entanto, hoje em dia, não há mais como se excluir completamente desse contexto. É como dizer que não se envolve em política enquanto se beneficia das infraestruturas construídas, utiliza os serviços de saúde pública ou viaja de avião, ignorando o fato de que essas são consequências das decisões políticas (apenas alguns “não se envolvem”, mas acabam sendo afetados pelas escolhas dos outros). Desvalorizar o impacto social das redes digitais equivale a negar a importância da interação humana na sociedade e se isolar em montanhas solitárias, longe de qualquer contato humano.

Acontece que nos deparamos com a criação de um novo espaço antropológico, um ambiente construído e estruturado por laços e valores que, queiramos ou não, desempenham um papel fundamental nos processos cognitivos, sociais e afetivos hoje. É nesse contexto que as redes digitais se transformaram em espaços sociais habitados por indivíduos que constroem e reconstroem suas identidades e conexões sociais. E essa dinâmica dialética entre as novas formas de interação social suscita a emergência de novos valores, que, por sua vez, fortalecem e reforçam as próprias dinâmicas sociais em evolução.

 

“Os espaços antropológicos são mundos de significação e não categorias coisificadas que partilham entre si objetos corporais.” (Lévy, 1997:186)

E nesse novo espaço antropológico, o que prevalece são as trocas simbólicas, onde as habilidades para viver nesse ambiente virtualizado são mediadas por uma diversidade de linguagens. Essa virtualização progressiva permeia todos os domínios da esfera simbólica e subjetiva do ser humano, transformando a forma como nos relacionamos e nos expressamos, tanto para com quem nos relacionamos como para com a sociedade. São pequenas porções de dados que contam histórias e formam um quebra-cabeça de nossa identidade digital. Cada clique, cada interação, traça um mapa que revela nossas preferências, interesses e relacionamentos. São fragmentos que se unem revelando quem somos, o que ou quem valorizamos e o que queremos nesse vasto mundo digital.

As comunidades virtuais são formadas por pessoas que compartilham crenças, interesses e desejos genuínos. As novas tecnologias dão a cada um de nós um poder sem precedentes de construir o nosso próprio mundo de referência, de encontrar as pessoas e conteúdos que realmente nos interessam, que nos cativam, independentemente de onde estejam. Navegamos pelos mares de pixels em meio a telas brilhantes, a internet se transforma em um vasto oceano virtual que conecta ilhas individuais. Somos envoltos por feeds intermináveis, numa busca incessante por validação ou por companhia para nossas ilhas isoladas.

É necessário reconhecer o valor e a importância desses novos espaços que se tornaram uma parte significativa da sociedade sem subestimarmos seu impacto e influência em nossas vidas. As comunidades virtuais têm o poder de proporcionar senso de pertencimento e são tão reais e relevantes quanto os ambientes físicos em que interagimos. Gesto virtual é gesto social e cliques podem ser laços que tecem, conectam, geram significados.

Essas migalhas digitais nos convidam também a refletir sobre nossa presença no mundo virtual, o que você comunica? Apesar de estarmos imersos nessa imensidão de informações, somos seres únicos e singulares deixando nossa marca no ciberespaço. Cabe a cada um de nós decidir quais valores queremos transmitir nesse imenso labirinto virtual. Mas não há mais como se isentar.

Nas ondas digitais, histórias se entrelaçam nos cotidianos mais banais e corações são conectados ou desconectados. Sorrisos são emojis, privacidade é direct e quem curte, curte: é espontâneo, natural como um ‘bom dia’, saudável, grátis… o banquete é grande e sem espaço para migalhas digitais de quem “não se envolve nesses tipo de coisa”. Entre os cliques e hashtags, podemos encontrar refúgios e inspirações, criatividade e interconexões, apaixonar ou desapaixonar. Curtir é expressão de apreço e admiração no vasto palco virtual e existem certas palavras digitais, nas entrelinhas dos nossos perfis, que dão pistas de afetos sinceros e admiráveis ou, indícios de ausências e faltas. A sombra ou a luz, são sutis.