Se fracassarmos em instalar nossos alunos no presente da vida concreta, hábeis a serem potentes diante das problemáticas subjetivas do crescer, viver, sobreviver e conviver, do que adiantará todos os esforços científicos ou avanços tecnológicos? Ensinar não é dizer o ‘como’, mas ir ‘com’ o aprendiz. Ir até a necessária desaparição de padrões ou, na contramão dos esforços de pedagogias que carregam maquinaria de serialização, de produção de objetividades em suas grades. Subjetividade não combina com grade, ela precisa de janelas, e abertas.

Se o ‘saber viver’, em seu sentido de enfrentamento, de gosto de seu uso, não pegarem nesses meninos e meninas, no sentido botânico mesmo do termo, continuaremos no terreno social pantanoso de uma falta indefinida e generalizada, que nos engole. Essas mulheres e esses homens terão passado vários anos de sua juventude lá, sentados em suas salas de aula, cumprindo horário e engolindo os ‘como’ para passar de ano, ano a ano de suas juventudes, dando parte de suas vidas já curtas à não sei o quê. E isso não é pouco, como disse Deleuze, “um ano de escolaridade perdido é a eternidade num aquário”.

E no final, quase tudo que se canta bonito nas aulas será esquecido, inutilizado, pois mentes doentes, castradas e truncadas, em sua maioria não saberá utilizar avanços que estão fora de si, e tudo, será sempre uma rodinha de hamsters na qual acreditam estarem correndo, subindo, sem saírem do lugar.

Esqueçam as fábricas e industrias, na educação a atenção é ao processo mais do que ao produto. Aprender é um acontecimento não um ponto imóvel de chegada, é um encontro com signos e as reações a eles, e cada um reage de um jeito. Protege-se as diferenças, produzindo diferenças. “Educação para todos” não significa, necessariamente, a mesma educação para todos. Que todos tenham acesso à educação é um projeto social e político, mas que cada um tenha acesso à educação segundo suas necessidades, de acordo com suas diferenças, isso é investir no aprender, de verdade.

Em meus vários estudos de casos sobre conhecimentos escolares e educação, me deparei com uma entrevista realizada com um aluno repetente, de escola pública, sobre seu currículo escolar (Currículos: teorias e práticas. Reunião de experiências de vinte e três integrantes). Compartilho aqui a resposta do discente e, provoco a reflexão: o que sabem os alunos que “não sabem”? Como articular saberes científicos com saberes da vida em que estão inseridos? Teorias e práticas são conhecimentos que precisam ser costurados, e sem demora, para salvarmos o tecido social tão rasgado.

– Não, eu não vou bem na escola. Esta é a segunda vez que eu repito a 4ª série e eu sou muito maior do que os outros alunos. Mas, os meus colegas gostam de mim. Não falo muito em sala, mas fora dela sei ensinar um mundo de coisas. Eles estão sempre me rodeando e isso compensa tudo que acontece de chato na sala. Eu não sei porque a professora não gosta de mim. Na verdade, ela nunca me deu muita atenção: parece que nunca acredita que eu sei alguma coisa, a não ser que a eu possa dizer o nome do livro onde aprendi. Acho que nunca consegui decorar os nomes de todos os ossos do corpo humano, mas esse ano foi corrido porque comecei a aprender um pouco sobre tratores, meu tio tem três para aluguel e disse que vai me deixar dirigir quando eu fizer dezesseis anos. Eu também não sou forte em Geografia. Durante toda esta semana estudamos o que o país importa e exporta, mas não sei bulufas. Talvez porque faltei à aula quando meu tio me levou em uma viagem de mais ou menos quatrocentos quilômetros de distância. Fomos de caminhão e trouxemos duas toneladas de adubo. Meu tio precisava de mim, ele me disse onde estávamos indo e eu tinha de indicar as estradas e a distância em quilômetros de ida e volta. Estou tentando calcular o óleo e o desgaste do caminhão para ajudar a calcular o lucro. Também não deu em Matemática pra mim na escola. Parece que não consigo me encontrar nos problemas. Um deles era assim: se um poste telefônico com 11,55m de comprimento cai atravessado em uma estrada, de modo que 2,27m sobrem de um lado, e 3,18m do outro, qual a largura da estrada? Sei lá, acho uma bobagem calcular a largura de uma estrada, nem tentei responder, e o problema também não dizia se o poste tinha caído reto ou torto.