O “Café”, palavra tal qual se encontra no título desse artigo, não se refere a planta e bebida “café”, mas sim aos locais de encontros e sociabilidade, de debate intelectual, de intercâmbios sociais, de diversão cotidiana. Esses estabelecimentos, regados de boa política, servem também de refúgio para aquela porção de gente ociosa, que busca a todas as horas o como matar o tempo. Um local de comunicação e sociabilidade no âmbito público, mas também, um refúgio privado, como um paraíso artificial de meditação e solidão.
O costume de tomar café é moderno, ainda mais ir a um local para tomar um. Na Europa o café foi introduzido no séc XVII. Austríacos, franceses e italianos foram os primeiros a degustar o “néctar”, ou, “o vinho dos árabes”. Na verdade são várias as “lendas” acerca do descobrimento e origem do café mas, em todas elas falam do seu efeito, que, ao ingeri-lo, o espírito adquiria maior fluidez e vivacidade.
A lenda mais comum é a de um pastor, em Lêmen, país da península árabe, que observou as consequências que se dava em seu rebanho quando suas cabras comiam de certas árvores uma frutinha de cor arroxeada: durante a noite não dormiam e não paravam de mover-se excitadamente. Então, ele mesmo provou e, ao sentir igual a elas, comunicou ao monastério vizinho, que a partir de então começaram a utiliza-la para se manterem acordados e atentos durante a vigília e orações noturnas.
O café, ao contrário do vinho que dá sonolência e ‘pesa a cabeça’, tem a virtude anti-sonifera, de manter a cabeça clara e desperta. Assim, pouco a pouco foi crescendo o uso da tão surpreendente bebida que potencializava a vida cerebral. Na Meca, Cairo, Bagdá e Constantinopla abriram os primeiros estabelecimentos onde se vendia o café, convertendo-se em centros de reuniões e vida social.
O primeiro café da Europa foi aberto em Oxford em 1650 e sua influência foi grande na literatura e periodismo da época. No séc. XVIII, na Itália, foi Veneza a grande cidade dos cafés, o Café Florian criado em 1720 ainda é um centro cosmopolita de reunião de artistas e viajantes cultos. Em Roma, o Café Greco era o ponto de referência de encontro da cidade, lugar frequentado por poetas, escritores e artistas. Goethe, Schopenhauer, Lord Byron, Shelley, Chateaubriand, Stendhal foram alguns dos grandes nomes que já frequentaram o local.
Em 1985, foi celebrado no Café Pedrocchi, em Pádua na Itália, o congresso internacional “La civiltta del caffe”, em que os estudiosos europeus demonstraram quão importantes haviam sido para a política, cultura, arte e literatura do Ocidente esses locais de café. Sem os cafés do séc. XIX de Viena, Budapeste, Praga, Cracóvia, Berlim, Bruxelas, Amsterdam ou Paris não se compreenderia os movimentos estéticos contemporâneos.
Balzac, Baudelaire, Verlaine e Apollinaires, os pintores impressionistas, cubistas e surrealistas estão todos ligados aos cafés parisienses dos grandes bairros de Montmartre, Montparnasse. Sartre Camus e Giacometti ligados aos de Saint German, como os cafes Les Deux Magots e Cafe de Flore.
Como disse Antonio Bonette Correa, “sem a existência dos cafés, não se pode compreender o espirito europeu, a liberdade, a democracia, o intercâmbio de ideias e as correntes diferentes tanto no terreno político quanto no literário e artístico.” Tomar café significava ser ilustrado, sábio, instruído, ter a mente desperta, ser lucido e clarividente.
Tem um livro incrível que já li algumas vezes e sempre indico aos amigos, que se chama “Onde nascem os gênios”, escrito quase como um diário de viagem pelo autor Eric Weiner, jornalista e andarilho inveterado. Neste livro espirituoso e divertido o autor parte em viagem para os locais onde nasceram os grandes gênios que transformaram o mundo como a Atenas, local de grandes filósofos como Sócrates e Platão, Viena de Mozart e Beethoven, a Itália de Michelangelo e de Da Vinci.
No decorrer do livro acompanhamos o autor em sua busca para compreender porque em tais locais surgiram grandes gênios e, sua busca, sempre se inicia sentado em um café, território urbano histórico de memórias.
Em um café em Hangzhou na China, o autor toma seu chá servido com um lindo bule de vidro, com botões de crisântemo flutuando na água quente. Neste momento o autor se lembra de uma conversa com um amigo ‘ex-viciado em café’ que lhe dissera consumir de 6 a 7 xícaras de café por dia até que algo lhe ‘deu um estalo’, e ele decidiu que a partir de então só tomaria chá. Indagando o amigo o porquê de tal decisão, este lhe disse: “O café me fazia pensar mais rápido, mas o chá me fez pensar mais profundamente”.
É bem aí, por exemplo, que podemos perceber uma das diferenças entre as culturas do ocidente e do oriente. Os ocidentais gostam da sacudida rápida da cafeína e seus lampejos rápidos de percepção, enquanto os orientais bebem sua cafeína mais lentamente, e assim tem uma ampla visão.
É uma questão de vital importância dispor de um tempo humanizado, de cultivo a inteligência, de convivência e de solidão acompanhada, de participação na memória coletiva, de exaltação de grandes homens do passado, os estadistas, cientistas, artistas, escritores e poetas, aqueles que frequentavam os cafés e cujos nomes hoje nos servem para denominar ruas, praças e cidades.
O mundo moderno nos regula o tempo, não nos permite ter tempo livre, pois é no ócio que surgem grandes pensadores. Segundo Platão, os filósofos “desfrutam do tempo livre e preparam os seus discursos em paz e em tempo de ócio. Apenas os preocupa alcançar a verdade”. O ócio é dedicar uma parte da sua existência e uma parte do seu tempo de vida a pensar sobre o sentido de viver.
Tomem seu tempo em um café, e filosofem!
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