Sim caros leitores, vamos de ‘textão’, pois é grande a reflexão. Aquelas falas dos “vô e vó” dizendo que esse “negócio de celular que inventaram faz mal”, então, talvez sejam mais proféticas do que se imagina. Comecemos então pelas atuais descobertas, atuais porque para a pontuação delas demandou-se um certo tempo de uso dos aparelhos e de seus serviços, pois tratam-se dos prejuízos a longo prazo. Acontece que, os impactos neurobiológicos estruturais do uso de mídia baseada em tela em pré-escolares (é, as crianças, os baixinhos, aqueles que hoje já nascem usando celulares), levantam sérias questões sobre como o uso da tela pode afetar o desenvolvimento básico do cérebro.
É bem sério o que está sendo percebido: a criança exposta a tecnologia digital sem restrições já está apontando mudanças na estrutura do cérebro em formação, afetando a forma como elas tendem a pensar, sentir e agir ao longo de suas vidas. As crianças que usam mídia digital em excesso demonstram um desenvolvimento significativamente menor nas principais regiões do cérebro envolvidas na linguagem e na alfabetização. Há recomendações severas (não levadas a sério, ainda) da Academia Americana de Pediatria de que crianças menores de 2 anos não devem usar nenhuma mídia de tela. Quanto maior o tempo de tela, maiores são os atrasos: menores as habilidades de linguagem desenvolvidas na criança e menos integridade estrutural nessas áreas do cérebro.
Em adolescentes, a multitarefa de mídia também está significativamente ligada a níveis posteriores de dificuldades de atenção, ou seja, o grau em que os adolescentes realizam várias tarefas ao mesmo tempo foi um preditor significativo de problemas de atenção no ‘mundo real’, destacando assim o impacto de ambientes digitais distrativos sobre o desenvolvimento dos jovens adolescentes. E é uma cilada armada e decorada para cairmos e ficarmos presos pois, o indivíduo ao passar aleatoriamente “linhas do tempo” ou “feeds de notícias” nas redes, alternam entre diferentes conteúdos a cada 19 segundos aproximadamente, e há um eco biológico nisso, sempre que trocamos o que estamos focando a nossa atenção há também um movimento neurológico que nos motiva a continuar trocando. A biologia humana nos torna vulneráveis a ser manipulados por economias extrativas de atenção, pela escolha imediata do que atenda a nossa demanda momentânea e, a exclusão do que não aprovamos.
Nosso sistema de memória priorizam automaticamente o texto social superficial em detrimento de formas de texto mais complexas. Por exemplo, muito provavelmente poucos lerão esse presente texto, alguns começarão mas não chegarão até o final. Muitos, inclusive, depois de lerem notícias on-line se lembram melhor dos comentários de outros leitores do que das frases do próprio artigo, na mesma escala da diferença de memória entre amnésicos e não amnésicos. Dada a atual economia de atenção extrativa e o número crescente de plataformas de mídias sociais e aplicativos competindo para capturar nossa atenção, as capacidades humanas básicas estão cada vez mais sob ataque.
E aí, começam as doenças psíquicas. O nível do uso desenfreado de mídia eletrônica a noite causa maiores dificuldades para dormir, estando significativamente correlacionado com a depressão na adolescência. As constantes interrupções da vida pela tecnologia nos dizendo em silêncio “estou aqui viu, me acesse”, estão prejudicando nossa capacidade de pensar, focar, resolver problemas e estar presente uns com os outros. Há um aumento significativo na conformidade social e, usuários pesados reduziram significativamente a atividade neural no córtex pré-frontal direito, uma condição também observada no TDAH e associada a impulsividade e falta de atenção. A associação encontrada entre o uso da internet e os sintomas do TDAH é bem significativa e causa muita preocupação.
E passando pelo biológico chegamos aos destroços sociais. O cyberbullying, por exemplo, tende a aumentar as chances de pensamentos suicidas, visto que a experiência de ser intimidado online é significativamente maior quando a vítima se dá conta de que isso está ocorrendo na frente de um público muito maior. Vários vídeos de automutilação têm circulado no TikTok, desde o desafio “Skull breaker” até o desafio “Cha Cha Slide” (aquele que a proposta era o de desviar repetidamente um carro real em uma estrada no ritmo da música). Os vídeos que contêm a tag “#passoutchallenge” tiveram mais de 233 mil visualizações no TikTok em fevereiro de 2020. Isso sem falarmos dos riscos sem precedentes (e fatos acontecendo o tempo todo) de crianças sendo abordadas por adultos pedindo nudes em tentativas de interações sexuais online.
Mais da metade dos alunos do ensino médio já não consegue distinguir propaganda de notícias, ficção ou fake news. Muitos ainda afirmam que “se é viral, deve ser verdade”. Acontece que, quando em processo de formação do “eu”, o indivíduo possui características cognitivas típicas de crianças e adolescentes que os deixam altamente suscetíveis à imposições de qualquer produto ou ideia. A tendência é a de que essas crianças quando adultos, continuem com essas características infantis em uma geração mal equipada para dar sentido ao mundo em suas decisões futuras, e assim, continuaremos em uma decida em alta velocidade no que diz respeito ao uso de drogas, comportamento sexual de risco, extremismo político entre várias outras problemáticas crescentes em número e decrescente em relação a evolução humana, social, educacional, política e etc.
A mídia social tem esse efeito dominador por meio de algumas básicas normas sociais: expor repetidamente os usuários a várias imagens e modelos de comportamento até que pareçam normais e aceitáveis, incentivando a imitação e, contaminando a todos pela doença da felicidade contínua estampadas nas vidas alheias, sempre cheias de filtros fantasiosos.
Embora as redes sociais afirmem nos conectar, elas nos arrancam das conexões com aqueles que estão diretamente à nossa frente, fazendo com que muitos se sintam conectados mas socialmente isolados. A simples presença do seu smartphone, mesmo desligado e virado para baixo, rouba a sua atenção. Os aparelhos agem como “estímulos de alta prioridade” drenando inconscientemente recursos de atenção significativos, mesmo quando os ignoramos conscientemente.
O uso de dispositivos móveis pelos pais durante brincadeiras com seus filhos pode levar a níveis significativos de sofrimento infantil. Um estudo de 50 pares bebê-mãe indicou claramente nos pequenos emoções negativas quando suas mães olhavam para seus dispositivos por apenas 2 minutos, e estamos falando de bebês. Muitos relatam que seus parceiros conjugais são frequentemente distraídos por seus dispositivos quando estão tentando conversar algo importantes com eles, tornando relações frias e vazias. As pessoas que tiraram fotos para compartilhar no Facebook ou Instagram experimentam menos prazer e menos envolvimento com a cena em comparação com aquelas que tiram fotos apenas para seu próprio prazer ou registro pessoal. Tirar fotos apenas para compartilhar nas mídias sociais aumenta o foco do usuário em sua própria identidade e auto apresentação, distraindo-o da conexão com o mundo ao seu redor.
Ficamos tão distraídos com nossos telefones que muitas vezes deixamos de ver as coisas mais básicas, às vezes com um grande custo para nós mesmos e para os outros. Imagens de câmeras de segurança do transporte público de São Francisco, por exemplo, que viralizou ao mostrar um atirador sacando sua arma e manuseando-a abertamente, com calma, sem pressa alguma e sem que ninguém o percebesse antes de finalmente atirar em um passageiro. Todos no ambiente estavam olhando as telas de seus celulares, mergulhados na nuvem com seus corpos pousados na realidade.
Estamos na era em que os gatilhos mentais e emocionais de um ser humano viraram alvos de caçadores de dinheiro, e a compreensão desses gatilhos virou ferramenta para o sucesso comercial de qualquer negócio. Ensinam na internet: descubra como os gatilhos alheios podem ajudar suas estratégias de Marketing Digital para gerar leads, obter e fidelizar clientes e, causar suicídios por aí.
O uso dos gatilhos mentais para a eficiência do marketing digital, dos mais simples aos mais complexos, giram em torno de algo em comum: dar às pessoas o que elas querem ou precisam na hora da vulnerabilidade certa. Todos os seres humanos possuem estímulos e motivações parecidos que, quando ativados, conduzem para a ação – gatilhos mentais de consumo – é o mercado utilizando e tirando proveito de tudo o que nos comove e, comovendo para vender mais.
Os atrasos no desenvolvimento integral de um indivíduo, hoje, são regidos por desafios físicos, mentais e sociais. Pela perda de habilidades cruciais como memória e foco. Pela desinformação, estresse, solidão, sentimentos de dependência e falta de empatia. Tudo acompanhado por um amontoado de confusão, má interpretação e diálogos distorcidos que premiam a interrupção de uma democracia em processo. A isso tudo soma-se também à amplificação do racismo, sexismo e homofobia gerando extremas defesas que justificam grandes ataques, gerando mais intolerância, em um ciclo que se auto alimenta.
Mas, apertemos os cintos pois, dessa maratona ainda temos muito o que aprender, enfrentar, crescer e sofrer também… pois nesse cenário já todo caótico chegou a realidade virtual ou aumentada, chegou o Metaverso: a combinação do mundo real com o ambiente virtual. Lá, você pode ser o que quiser. Você cria a sua imagem e se relaciona com inúmeros outros indivíduos (também criados) de qualquer parte do mundo. São avatares de seres humanos em 3D interagindo em negócios, relacionamentos, diversão, viagens pelo mundo… o que será da realidade chata e limitante agora? Estamos à beira de uma nova sociedade? Seria a tal sociedade alternativa? Universo Paralelo?
Você ainda pode estar de fora dessa novidade, mas, já tem até crimes rolando por lá como assédio sexual, racismo e aplicação de golpes envolvendo criptomoedas. E nem tem delegacia por lá ainda. Será que colocarão igrejas? As telas dos celulares nos roubam vida real, mas ainda assim, fragmentada. Entramos nelas e saímos o tempo todo. Com o metaverso, muito em breve veremos nas casas, nas ruas, nas cidades, nas empresas, no mercado e por todos os lados a mistura ‘natural’ de pessoas com seus celulares do mundo antigo/real e, pessoas com seus dispositivos do novo mundo, como os óculos de realidade aumentada, vivendo nem lá nem cá.
Não há precedentes ainda referente aos impactos sociais e psicológicos em virtude da imersão frequente em mundos virtuais. Em um artigo publicado no site Big Think, Louis Rosenberg, cientista da computação e desenvolvedor do primeiro sistema funcional de realidade aumentada, disse que não estamos preparados para passar tanto tempo em um ambiente 100% digital e que isso pode distorcer nossa noção de realidade.
Para a máquina, não somos pessoas, mas linhas de código com as chamadas tags, aquilo que nos identifica. Nas tags estão nossas informações como branco, negro, alto, rico, pobre, viciado nisso, inseguro àquilo, traumatizado com não sei o que. Tudo com base no que compartilhamos, postamos, falamos, compramos… somos monitorados e fichados, e a ficha vai aumentando, se auto alimentando conforme vamos vivendo do lado de lá, até o momento em que a máquina nos conhecerá melhor que nós mesmos, prevendo nossos atos, pensamentos e nos ‘satisfazendo’.
As chances de haver segregação e preconceito com base nesses estereótipos são grandes de acordo com Rosenberg, por isso, o cientista prega cautela e se diz um tanto assustado em relação ao quanto o metaverso vai modificar a vida que vivemos hoje ou até mesmo, criar uma nova, um mundo como o da saga “Matrix”, no qual não se sabe mais o que é real e o que é projetado. E aí? Qual pílula você irá escolher?
——-
REFERÊNCIAS
https://scielosp.org/article/csc/2021.v26n3/1127-1136/
https://www.bbc.com/portuguese/geral-42603165
https://www.eusemfronteiras.com.br/metaverso-avanco-ou-retrocesso-para-a-humanidade/